quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Duas visões sobre a consciência

Podemos pensar sobre a relação entre a consciência e a matéria em termos de duas visões, ambas de certa forma compatíveis com o conhecimento científico atual, mas muito diferentes entre si:

1. A nossa consciência individual seria simplesmente um produto do cérebro, ou seja, a matéria e energia organizadas em um tipo de estrutura muito particular, dariam origem a consciência. Esta visão remonta do início do Iluminismo e se fundamenta no materialismo e determinismo apoiados no sucesso da física clássica.

2. A matéria e energia seriam uma manifestação de algo mais essencial, o qual possui também outras formas de manifestação como por exemplo a nossa consciência, da qual o nosso cérebro seria apenas um complemento. Esta visão tem inspiração nas filosofias orientais e alguns fundamentados na física moderna.

A mente e a consciência são consideradas as maiores fronteiras da ciência atual. As abordagens mais aceitas nas neurociências têm como base a primeira visão e frequentemente reduzem a consciência aos fenômenos mentais, e estes às sinapses e respectivos neurotransmissores. A base empírica desta visão está na forte correlação observada entre os fenômenos físico-químicos no cérebro e os fenômenos mentais. O problema para aplicação do método científico tradicional, começa pelo fato de que os fenômenos mentais não podem ser registrados objetivamente, mas apenas como alterações do comportamento externo de pessoas e animais. O segundo problema está no estabelecimento da relação de causa e efeito. É fácil identificar que certas alterações físicas como a lesão de uma parte do cérebro ou a introdução de certas substâncias químicas, interferem diretamente nos fenômenos físico-químicos, que por sua vez afetam os fenômenos mentais. No entanto, não é possível observar cientificamente, o sentido inverso da relação de causa e efeito, onde fenômenos inicialmente mentais dariam origem à fenômenos físico-químicos. A aceitação da existência desta segunda relação de causa e efeito, é o ponto central da segunda visão.

Adicionalmente, sabemos que a física moderna colocou em cheque o determinismo. Por exemplo, a equação de Schrödinger estabelece que dadas todas as variáveis que determinam o estado de um sistema físico no presente, só poderemos descrever o seu futuro em termos de probabilidades. Além disso, o estado de um sistema físico só pode ser descrito como uma distribuição de probabilidades, com precisão limitada pelo princípio de incerteza de Heisenberg. Por fim, um fenômeno físico não pode mais ser considerado separado do observador, pois a intenção deste afeta o resultado observado. Isto é informalmente chamado pelos físicos como o "fantasma na máquina" e pode servir como argumento a favor da segunda visão.

Talvez precisássemos estender o método científico tradicional para incluir a auto-observação conforme sugerida pelas antigas filosofias orientais através por exemplo, da meditação. Este método pode ser descrito pela metáfora de voltar o telescópio para dentro do próprio observador. A experiência da meditação nos traz uma certeza: existe uma consciência além dos fenômenos mentais (pensamentos, emoções, sentimentos e vontade). É por estarmos constantemente inundados por pensamentos, que não reconhecemos esta consciência mais fundamental. Atualmente existe pesquisa acadêmica explorando a meditação e os resultados são muito interessantes, demonstrando que a alteração intencional dos padrões mentais leva a profundas alterações nos fenômenos físico-químicos. Em outras palavras, demonstram a relação bidirecional de causa e efeito já citada.

Um último fato interessante é que a segunda visão esta presente nas especulações filosóficas de grandes físicos modernos como Erwin Schrödinger e David Bohm. Este assunto é muito extenso e existem uma infinidade de argumentos a favor e contra ambas visões, mas o objetivo aqui é ressaltar a relevância da segunda visão, e que talvez as neurociências estejam na direção errada.


Referências

http://www.photonics.cusat.edu/article2.html

Wholeness_and_the_Implicate_Order

What_is_Life (Schrodinger)

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